O Texto de Sigmund Freud sobre luto e melancolia trata-se de: “A melancolia, cuja definição varia inclusive na psiquiatria descritiva, assume várias formas clínicas, cujo agrupamento numa única unidade não parece ter sido estabelecido com certeza, sendo que algumas dessas formas sugerem afecções antes somáticas do que psicogênicas. Nosso material, independentemente de tais impressões acessíveis a todo observador, limita-se a um pequeno número de casos de natureza psicogênica indiscutível.
Desde o início, portanto abandonaremos toda e qualquer
reivindicação à validade geral de nossas conclusões, e nos consolaremos com a
reflexão de que, com os meios de pesquisa à nossa disposição hoje em dia,
dificilmente descobriríamos alguma coisa que não fosse típica, se não de toda
uma classe de perturbações, pelo menos de um pequeno grupo delas”. O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à
perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a
liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as
mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte,
suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica.
O
texto também aborda correlações que Sigmund Freud cita como: O ponto essencial, portanto, não
consiste em saber se a auto difamação aflitiva do melancólico é correta, no
sentido de que sua autocrítica esteja de acordo com a opinião de outras
pessoas. O ponto consiste, antes, em saber se ele está apresentando uma
descrição correta de sua situação psicológica. Ele perdeu seu amor-próprio e
deve ter tido boas razões para tanto. É verdade que então nos deparamos com uma
contradição que coloca um problema de difícil solução. A analogia com o luto
nos levou a concluir que ele sofrera uma perda relativa a um objeto; o que o
paciente nos diz aponta para uma perda relativa a seu ego.
Antes de passarmos a essa
contradição, percebemos um conceito que a perturbação do
melancólico oferece a respeito da constituição do ego humano. Vemos como nele
uma parte do ego se coloca contra a outra, julga-a criticamente, e, por assim
dizer, toma-a como seu objeto. Nossa desconfiança de que o agente crítico, que
aqui se separa do ego, talvez também revele sua independência em outras
circunstâncias, será confirmada ao longo de toda a observação ulterior.
Realmente, encontraremos fundamentos para distinguir esse agente do restante do
ego. Aqui, estamos familiarizando com o agente comumente denominado
‘consciência’; vamos incluir, juntamente com a censura da consciência e do
teste da realidade, entre as principais instituições do ego, e poderemos provar
que ela pode ficar doente por sua própria causa. No quadro clínico da melancolia,
a insatisfação com o ego constitui, por motivos de ordem moral, a
característica mais marcante. Freqüentemente, a auto-avaliação do paciente se
preocupa muito menos com a enfermidade do corpo, a feiura ou a fraqueza, ou com
a inferioridade social; quanto a essa categoria, somente seu temor da pobreza e
as afirmações de que vai ficar pobre ocupam posição proeminente.
Segue na obra que a melancolia, portanto, toma
emprestado do luto alguns dos seus traços e, do processo de regressão, desde a
escolha objetal narcisista para o narcisismo, os outros. É por um lado, como o
luto, uma reação à perda real de um objeto amado; mas, acima de tudo isso, é
assinalada por uma determinante que se acha ausente no luto normal ou que, se
estiver presente, transforma este em luto patológico. A perda de um objeto
amoroso constitui excelente oportunidade para que a ambivalência nas relações
amorosas se faça efetiva e manifesta. Onde existe uma disposição para a neurose
obsessiva, o conflito devido à ambivalência empresta um cunho patológico ao
luto, forçando-o a expressar-se sob forma de auto-recriminação, no sentido de
que a própria pessoa enlutada é culpada pela perda do objeto amado, isto é, que
ela a desejou. Esses estados obsessivos de depressão que se seguem à morte de
uma pessoa amada revelam-nos o que o conflito devido à ambivalência pode
alcançar por si mesmo quando também não há uma retração regressiva da libido.
Na melancolia, as ocasiões que dão margem à doença vão, em sua maior parte,
além do caso nítido de uma perda por morte, incluindo as situações de
desconsideração, desprezo ou desapontamento, que podem trazer para a relação
sentimentos opostos de amor e ódio, ou reforçar uma ambivalência já existente.
Esse conflito devido à ambivalência, que por vezes surge mais de experiências
reais, por vezes mais de fatores constitucionais, não deve ser desprezado entre
as precondições da melancolia. Se o amor pelo objeto — um amor que não pode ser
renunciado, embora o próprio objeto o seja — se refugiar na identificação
narcisista, então o ódio entra em ação nesse objeto substitutivo, dele
abusando, degradando-o, fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu
sofrimento. A autotortura na melancolia, sem dúvida agradável, significa, do
mesmo modo que o fenômeno correspondente na neurose obsessiva, uma satisfação
das tendências do sadismo e do ódio relacionadas a um objeto, que retornaram ao
próprio eu do indivíduo nas formas que vimos examinando. Via de regra, em ambas
as desordens, os pacientes ainda conseguem, pelo caminho indireto da
autopunição, vingar-se do objeto original e torturar o ente amado através de
sua doença, à qual recorrem a fim de evitar a necessidade de expressar
abertamente sua hostilidade para com ele. Afinal de contas, a pessoa que
ocasionou a desordem emocional do paciente, e na qual na doença se centraliza,
em geral se encontra eu seu ambiente imediato. A catexia erótica do melancólico
no tocante a seu objeto sofreu assim uma dupla vicissitude: parte dela
retrocedeu à identificação, mas a outra parte, sob a influência do conflito
devido à ‘ambivalência’, foi levada de volta à etapa de sadismo que se acha
mais próxima do conflito.
“Não posso prometer que essa tentativa
venha a ser inteiramente satisfatória. Mal nos leva além da possibilidade de
tomarmos nossa orientação inicial. Temos duas coisas a empreender: a primeira é
uma impressão psicanalítica; a segunda, o que talvez possamos chamar de um tema
de experiência econômica geral. A impressão que vários investigadores
psicanalíticos já puseram em palavras é que o conteúdo da mania em nada difere
do da melancolia, que ambas as desordens lutam com o mesmo ‘complexo’, mas que
provavelmente, na melancolia, o ego sucumbe ao complexo, ao passo que, na
mania, domina-o ou o põe de lado. Nosso segundo indicador é proporcionado pela
observação de que todos os estados, tais como a alegria, a exultação ou o
triunfo, que nos fornecem o modelo normal para a mania, dependem das mesmas
condições econômicas. Aqui, aconteceu que, como resultado de alguma influência,
um grande dispêndio de energia psíquica, de há muito mantido ou que ocorre
habitualmente, finalmente se torna desnecessário, de modo que se encontra
disponível para numerosas aplicações e possibilidades de descarga”
(Sigmund Freud 1914)
Para Freud a resposta rápida e fácil é
que ‘a apresentação (da coisa) inconsciente do objeto foi abandonada pela
libido’. Na realidade, contudo, essa apresentação é composta de inumeráveis
impressões isoladas (ou traços inconscientes delas) e essa retirada da libido
não é um processo que possa ser realizado num momento, mas deve, por certo,
como no luto, ser um processo extremamente prolongado e gradual. Se ele começa
simultaneamente em vários pontos ou se segue alguma espécie de seqüência fixa
não é fácil decidir; nas análises, torna-se freqüentemente evidente que
primeiro uma lembrança, e depois outra, é ativada, e que os lamentos que soam
sempre como os mesmos, e são tediosos em sua monotonia, procedem, não obstante,
cada vez de uma fonte inconsciente diferente. Se o objeto não possui uma tão
grande importância para o ego — importância reforçada por mil elos —, então
também sua perda não será suficiente para provocar quer o luto, quer a
melancolia.
Essa característica de
separar pouco a pouco a libido deve, portanto, ser atribuída de igual modo ao luto
e à melancolia, sendo provavelmente apoiada pela mesma situação econômica e
servindo aos mesmos propósitos em ambos.
Por fim podemos dizer que no trabalho da melancolia,
portanto, a consciência está inclinada a uma parte que não é essencial, e nem
sequer é uma parte à qual possamos atribuir o mérito de ter contribuído para o
término da doença. Vemos que o ego se degrada e se enfurece contra si mesmo, e
compreendemos tão pouco quanto o paciente a que é que isso pode levar e como
pode modificar-se. De forma mais imediata, podemos atribuir tal função à parte
inconsciente do trabalho, pois não é difícil perceber uma analogia essencial
entre o trabalho da melancolia e o do luto. Do mesmo modo que o luto compele o
ego a desistir do objeto, declarando-o morto e oferecendo ao ego o incentivo de
continuar a viver.
Referencias
Bibliográficas:
FREUD, Sigmund. Volume XIV Ed. Imago (RJ). (ANO1914-1916) - LUTO E
MELANCOLIA
Luto e melancolia é um das melhores textos dentro da Psicanálise, é o texto que mais li do Freud.
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